quarta-feira, 22 de julho de 2015

"A comunicação é estratégica desde o princípio da agroecologia no Brasil", afirma Alexandre Pires coordenador do Centro Sabiá

Articulação Nacional de Agroecologia - ANA
    
Apesar de não ser jornalista ou comunicador de nenhuma organização, o coordenador geral da ONG Centro Sabiá, organização que presta assessoria técnica rural na zona da mata e semiárido pernambucano, Alexandre Pires é um entusiasta da comunicação e dos movimentos culturais na agroecologia. Ele também integra o Núcleo Executivo da ANA, e tem contribuído no fortalecimento dessas inciativas dentro do movimento agroecológico no Brasil.
 
Na conversa o biólogo fala sobre a importância do direito à comunicação, sobre os avanços das organizações que compõem a ANA nesse campo nos últimos anos e o travamento do estado nessa pauta. Segundo ele, o último Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), realizado no ano passado em Juazeiro (BA), demonstrou que é possível mobilizar a comunicação no movimento agroecológico e projetar uma visibilidade nacional ao tema. O desafio, diz Alexandre, é manter ativa essa articulação nas redes agroecológicas.

Por que essa necessidade de discutir e avançar no tema da agroecologia dentro das organizações do campo agroecológica?


Primeiro precisamos compreender que a comunicação no campo da agroecologia, das organizações e redes no campo da ANA, é uma abordagem extremamente estratégica que permite mostrar à população que existe outro mundo que os grandes meios de comunicação, a mídia de massas, não tem interesse de mostrar: o rural. A diversidade da agricultura familiar, cultura, produção alimentar, formas de viver e trabalhar no campo. Temos a possibilidade de pautar o tema do direito à comunicação, que normalmente está veiculado nos grandes centros urbanos, onde as pessoas têm um vínculo muito mais forte com o debate da comunicação pública, já que muitas vezes as organizações que trabalham no desenvolvimento rural aparentemente não têm vínculo com esse tema ou necessidade de comunicação.

Mas se você resgatar o processo histórico da agroecologia no Brasil verá a comunicação como uma ferramenta estratégica desde o princípio da rede PTA. A comunicação na perspectiva de diálogo entre os técnicos e agricultores, entre os agricultores e numa perspectiva de ferramenta pedagógica com manuais e sistematizações para orientar e organizar o conhecimento dos agricultores (as) para construção da agroecologia. É também nesse período da PTA que se usava a comunicação alternativa através de várias ferramentas como fanzines, boletins copiados, dentre outras formas para mostrar a luta da agricultura alternativa. Depois vem o conceito da agroecologia, e desde o princípio do movimento agroecológico no Brasil, da PTA que dá origem à ANA, a gente faz e se preocupa com a necessidade de uma comunicação pública, democrática e partilhada.

Mas as organizações sempre enfrentaram muitos desafios nesse campo, não?

As condições reais e materiais para se inserir de forma mais eficiente nesses espaços de debate sobre o direito à comunicação são de tempo mais curto na história da ANA e de suas organizações. Um exemplo de comunicação a serviço da agroecologia é o que a ASA (Articulação no Semiárido Brasileiro) vem fazendo com a rede de comunicadores do semiárido, que é uma experiência fantástica porque consegue descentralizar um processo de comunicação articulado. As organizações com seus comunicadores (as) populares conseguem produzir e se inserir nos espaços de debate de comunicação, dar visibilidade às experiências dos agricultores (as) e àquilo que as organizações vêm pautando no ponto de vista político. Ao mesmo tempo fazendo isso no semiárido, através da assessoria de comunicação da ASA.

Olhando para o processo da ANA, a realização do III ENA com a pergunta chave provocadora e estimuladora – Por que interessa à sociedade apoiar a agroecologia? – foi também motivadora para uma reflexão interna na ANA. Sobre como nos comunicamos com a sociedade, para fazer com que a sociedade compreenda o que é a agroecologia, que lutas são essas no campo da ANA, da segurança alimentar, pela terra e o território, pela participação e efetivação dos direitos das mulheres e jovens no campo e na cidade. Ou seja, evidenciar a cultura como um aspecto importante e fundamental da construção da agroecologia.

O III ENA fez com que as organizações, através das caravanas e encontros, dessem start a processos mais amplos de comunicação com a sociedade. De diálogo, ocupando as rádios dos municípios, nas cidades, blogs, tablóides locais, ou até a grande mídia e grandes veículos como a CartaCapital, Brasil de Fato, e outros que não são de massa mas têm uma expressão política importante nacionalmente. Essa visibilidade é grande em relação ao que tínhamos, e foi uma excelente demonstração da nossa capacidade de mobilização dos meios de comunicação e dos comunicadores. No encontro mobilizamos um conjunto de comunicadores de várias regiões do Brasil e mostramos que é possível dar visibilidade às causas da agroecologia e da ANA nacionalmente. O desafio pós ENA é a continuidade desse processo de articulação na ANA para dar mais visibilidade à agroecologia.

 Apesar desse cenário adverso, tem uma crescente conscientização da população em relação à alimentação saudável. A que se atribui isso?

São causas da ANA as sementes crioulas, o combate a transgenia e aos agrotóxicos. Temas que conseguimos um diálogo mais específico com a população urbana, porque tocam diretamente a saúde das pessoas. Os transgênicos ainda é algo aparentemente sem uma massificação de compreensão do que pode causar à saúde das pessoas, mas já tem dados associando a transgenia a problemas de câncer, etc. Então a inserção da ANA, através das suas organizações e redes, no diálogo com a sociedade num processo de comunicação pode ganhar um fôlego muito grande quando pauta essas três dimensões. Também estão associados à biodiversidade, aos conhecimentos tradicionais das populações camponesas, indígenas e quilombolas, etc.

A própria mídia está abrindo brechas com críticas a esses temas.

Há um interesse por trás, que é o agronegócio se apropriar da agricultura orgânica como um nicho de mercado e não é isso o que queremos construir.

Alexandre Pires - Coordenador Geral da ONG Centro Sabiá -PE     


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