O Plano Plurianual (PPA) é um instrumento de planejamento estratégico
do Estado brasileiro essencial para o cumprimento de seu papel como
indutor das dinâmicas de desenvolvimento econômico e social. O momento
de sua elaboração é uma grande oportunidade para a revisão crítica das
políticas públicas e dos rumos do desenvolvimento nacional. A
experiência brasileira dos últimos 12 anos demonstra de forma inequívoca
que a retomada da intervenção do Estado na orientação do
desenvolvimento foi condição essencial para o enfrentamento da fome, da
pobreza e de crônicas desigualdades sociais que marcam a história do
país.
A elaboração do PPA 2016-2019 se faz em um contexto de grandes
desafios. Por um lado, estamos diante da necessidade de assegurar as
conquistas alcançadas nesse período recente, conquistas essas
permanentemente ameaçadas por ofensivas políticas de grupos alinhados
com a agenda neoliberal. Por outro, vivemos a necessidade de ampliar e
aprofundar essas conquistas. Nesse momento, isso implica a realização de
reformas estruturais capazes de desativar os mecanismos políticos e
econômicos responsáveis pela reprodução das desigualdades sociais, pela
deterioração da saúde coletiva, pela degradação ambiental e pela
escalada de violência em nossa sociedade.
A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) é uma
conquista de movimentos sociais dos campos, das águas e das florestas.
Instituída por decreto presidencial em agosto de 2012, a PNAPO deve ser
considerada um componente fundamental para orientação de mudanças
estruturais necessárias para a democratização e a sustentabilidade da
sociedade brasileira. O enfoque agroecológico reconhece e apóia o
desenvolvimento de múltiplas funções positivas exercidas por produtores
rurais, em especial pela agricultura familiar camponesa e indígena e
pelos povos e comunidades tradicionais. Compreendida como enfoque
científico e como prática social, a agroecologia é portadora de
conceitos e métodos destinados a reestruturar os sistemas
agroalimentares, proporcionando a conjugação do uso sustentável dos bens
da natureza, a produção de alimentos saudáveis em quantidade, qualidade
e diversidade, a distribuição justa e equitativa das riquezas sociais
com base nos fundamentos da economia solidária, o estabelecimento de
relações mais equilibradas entre o mundo rural e urbano e a preservação
do patrimônio cultural.
A promoção da agroecologia torna-se cada vez mais urgente e
necessária diante do atual contexto de agravamento de crises
interconectadas causadas por um modelo de desenvolvimento econômico
centrado na produção em larga escala de commodities agrícolas e
minerais. Estruturado sobre a injustiça ambiental, os processos de
concentração de renda e a desigualdade entre homens e mulheres, esse
modelo é responsável por um conjunto articulado de efeitos negativos
para a sociedade, dentre os quais se destacam: o avanço desmedido do
desmatamento; a degradação dos solos; a perda acelerada da
biodiversidade nativa e cultivada; a crescente dependência da
agricultura a combustíveis fósseis e a outros recursos naturais não
renováveis; o aumento da vulnerabilidade aos efeitos das mudanças
climáticas; a crise hídrica nos campos e nas cidades; a contaminação
ambiental e os agravos à saúde coletiva pelo crescente uso de
agrotóxicos; a exposição desnecessária da população aos riscos
associados ao consumo de transgênicos; e o empobrecimento das dietas com
a generalização do consumo de alimentos ultraprocessados responsáveis
pelo aumento expressivo de doenças crônicas não-transmissíveis
associadas à má nutrição. Também figuram como conseqüências diretas
desse modelo a grilagem e a concentração das terras, a expropriação da
agricultura familiar camponesa, dos povos e comunidades tradicionais e
dos povos indígenas de seus territórios de pleno direito e o
recrudescimento da violência no campo.
Centrado em monoculturas para exportação, esse modelo tem gerado uma
necessidade crescente de importação de alimentos e maior dependência
externa da agricultura brasileira a insumos e equipamentos, bem como a
concentração da pauta de exportação em poucas commodities com baixo
valor agregado e sujeitas a flutuações de preço nos mercados
internacionais. Portanto, além dos efeitos sociais e ambientais
negativos, o modelo agroexportador compromete a soberania alimentar e
tecnológica do país e deixa a economia nacional em situação de alta
vulnerabilidade.
O atrelamento subordinado de parcelas expressivas da agricultura
familiar a esse modelo também vem provocando crescente vulnerabilidade
econômica, social e ambiental da categoria. Esse processo, que se
caracteriza pela especialização produtiva e a crescente dependência da
agricultura familiar às corporações agroindustriais e aos mercados
financeiros, tem bloqueado a expressão de seus potenciais ambientais,
econômicos e socioculturais em benefício do conjunto da sociedade. A
saída de jovens do campo, comprometendo o futuro da agricultura familiar
e das comunidades tradicionais, é um dos indicadores mais visíveis
dessa vulnerabilidade.
A construção de outros padrões de desenvolvimento rural apresenta-se,
portanto, como um dos desafios centrais para a sociedade brasileira no
presente momento. Isso pressupõe a democratização do acesso à terra e às
águas, a garantia dos direitos territoriais de povos e comunidades
tradicionais e dos povos indígenas e a reorientação das políticas
públicas que incidem diretamente no atendimento de necessidades
fundamentais de toda a população, como é o caso do direito à alimentação
adequada e saudável. A agroecologia tem um papel estratégico a cumprir
nessa construção. Nesse sentido, a proposta agroecológica deve ser
incorporada como enfoque orientador do conjunto das iniciativas de
órgãos e ministérios integrados à PNAPO.
A recente experiência histórica no Brasil revela a abrangência
nacional que assumem as iniciativas de promoção da agroecologia em todos
os biomas brasileiros, revalorizando o diversificado patrimônio de
saberes e práticas de gestão social dos bens da natureza e reafirmando o
papel protagonista da produção de base familiar como provedora de
alimentos para a sociedade.
Essa constatação do papel positivo da agroecologia já não se limita
aos diferentes segmentos sociais e políticos que nos últimos 30 anos vêm
construindo e defendendo o enfoque agroecológico e a expansão da
produção orgânica. Essa opção estratégica vem sendo cada vez mais
compreendida e assumida por crescentes segmentos sociais que encontram
também na agroecologia respostas concretas para seus desafios imediatos,
como a superação da miséria, mas, também, para a concretização dos
anseios da população por uma alimentação saudável, pela saúde coletiva,
pela conservação dos bens naturais e das paisagens rurais, pela
preservação do patrimônio cultural, pela geração de trabalho digno com
distribuição de renda, pela superação das desigualdades entre homens e
mulheres, pela geração de oportunidades para jovens ao pleno exercício
da cidadania política e econômica e, finalmente, pelo desenvolvimento de
uma cultura de paz nas cidades, no campo, na floresta, no mar e nos
rios. Esses múltiplos benefícios têm proporcionado o encontro do
movimento pela agroecologia com outros movimentos sociais que militam
pela democratização e pela sustentabilidade da sociedade tais como a
soberania e segurança alimentar e nutricional, a saúde coletiva, a
justiça ambiental, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, a
economia solidária e os movimentos feministas.
As iniciativas da sociedade na promoção da agroecologia dão rápidas
respostas positivas sempre que contam com estímulos de políticas
públicas. Essa é a razão pela qual a agroecologia vem sendo defendida em
diferentes espaços oficiais de participação social, como conferências,
conselhos, comissões etc. Também no âmbito internacional, a agroecologia
vem sendo proposta com cada vez maior veemência por movimentos e
organizações da sociedade civil, por instituições acadêmicas, por
governos de outros países e por órgãos vinculados a Organização das
Nações Unidas (ONU).
A criação e implementação do Plano Nacional de Agroecologia e
Produção Orgânica, no âmbito da PNAPO, proporcionaram um salto
qualitativo na relação sociedade-Estado, dando maior coerência entre
políticas e programas geridos por diferentes ministérios e órgãos
públicos. Frente a essa evolução positiva e aos críticos desafios que se
colocam no horizonte da sociedade, a CNAPO compreende que a
agroecologia deve ser considerada diretriz estratégica no PPA 2016-2019.
Dessa forma, este instrumento de planejamento estratégico das ações do
poder executivo federal representará efetivamente um novo avanço na
institucionalização da agroecologia no Estado, bem como na mobilização
da sociedade em defesa dessa perspectiva para o desenvolvimento
nacional.
Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – CNAPO.
Brasília/DF, 18 de março de 2015.